A Fotografia de “Ladrões de Bicicleta”

  • Itália
  • 1948
  • Preto e Branco

Um dos grandes representantes do neorrealismo italiano, o filme “Ladrões de Bicicleta”, de Vittorio De Sica, expõe uma “dura” realidade: a da sociedade Italiana pós segunda guerra mundial. É na própria realidade que o cinema neorrealista está pautado, a partir do uso de atores amadores, que viviam aquela realidade e compartilhavam daquelas experiências com os personagens; até no caráter de produção do filme, a documentalidade de uma época está presente – inclusive na direção de fotografia.

Na metade da década de 40, o cinema italiano não produzia muitos filmes. A guerra havia destruído a moradia de muitos e os estúdios cinematográficos, em seus grandes galpões, abrigavam aqueles que haviam perdido suas casas, a produção cinematográfica não era a prioridade.

Foi quando, em 1945, o filme “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini, inaugura o movimento neorrealista, em que a fotografia principal era gravada em cenário real (a cidade). Este recurso, pouco utilizado no cinema clássico Hollywoodiano, apesar de trazer dificuldades técnicas (como a de captura de áudio, que não podia ser feita em cenário externo) trazia um senso de realidade maior, transmitindo situações de fácil empatia e sensibilidade.

Os cenários reais são um grande atrativo deste filme.

A fotografia de Carlo Montuori é simples, sem apresentar ângulos inovadores ou outros caprichos, tudo dá uma ideia de naturalidade que é singular. Ladrões de Bicicleta ensina que a fotografia não precisa ser pujante para se destacar:

“Se o evento basta a si mesmo sem que o diretor tenha a necessidade de esclarecê-lo com ângulos ou arbitrariedades de câmera, é porque ele conseguiu chegar àquela luminosidade perfeita que permite à arte desmascarar uma natureza que afinal se parece com ela. Por isso a impressão que nos deixa ‘Ladrões de Bicicleta’ é constantemente a da verdade”.

(André Bazin, “O Cinema”, Ed. Brasiliense, 1991)

No entanto, a ideia de simplicidade não quer dizer que Montuori e De Sica seguiram padrões pré-estabelecidos na fotografia. Um exemplo disso é a sequência em que o protagonista, Antonio, está numa espécie de “treinamento” para a colocação de cartazes com seu colega de trabalho quando são incomodados por duas crianças que brincavam por perto; nesta cena a câmera se desprende da narrativa e do protagonista para mostrar somente as crianças brincando na rua e dois senhores que passavam; é uma pequena cena que pode parecer desimportante ou desnecessária, mas é uma opção que realça o senso de verdade que o diretor quis transmitir. No Cinema Clássico Hollywoodiano um plano que exclui o protagonista seria facilmente cortado do filme.

Outro exemplo de uso de câmera notável é durante o trecho da feira da praça Vittorio, em que a montagem trabalha com o posicionamento de câmera para dar ideia de “visão em primeira pessoa”, enquanto Antonio e seu filho procuravam partes à venda de sua bicicleta roubada.

Os planos do filme raramente enquadram espaços fechados, é tudo muito aberto e vazio, os prédios abandonados e terrenos baldios preenchem a tela com os personagens, habitantes deste lugar, que são retratados como muito pequenos e frágeis perante todo o resto, a sensação de solidão e desamparo é constante.

Para causar tensão no expectador, antes da bicicleta ser roubada, Montuori e De Sica optam por colocar cenas em que a bicicleta fica no canto da tela, aos poucos a câmera se move até que ela desapareça do plano; a todo momento o expectador teme pelo roubo da bicicleta. 

Destacam-se também as rimas visuais entre o trecho em que Antonio sai pela manhã para seu primeiro dia no emprego novo (amanhecer), e do retorno do protagonista para casa, triste pela bicicleta roubada (pôr do sol). A cena final também é um grande destaque, com os personagens caminhando de costas para a câmera, está é uma clara homenagem a Charlie Chaplin, que costumava terminar seus filmes assim.

Com ângulos simples e planos abertos, a fotografia de Carlo Montuori, junto da montagem, da trilha sonora e de outros setores de produção, produz um filme singular, emocionante e fatual, que para sempre será lembrado como um dos melhores filmes de todos os tempos.

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