“A Favorita”: O Uso Criativo de Lentes

  • Reino Unido
  • 2018
  • Colorido

“A Favorita” foi um dos filmes mais aclamados de 2018, tendo sido indicado à dez prêmios da Academia e selecionado como um dos dez melhores filmes de 2018 pela American Film Institute.

Com a direção de Yorgos Lanthimos e rodado por Robbie Ryan, o filme retrata a relação da Rainha Ana com sua confidente Sarah Churchill e a recém-chegada Abigail, que se aproxima da Rainha pela chance de retornar ao status de Lady.

Ryan se adaptou muito à visão de Lanthimos para o longa, com uma bela locação, ótimos figurinos e boas performances, o diretor de fotografia disse se sentir um operador de câmera glorificado:

“[O longa] foi filmado em belíssimas locações, com belíssimos figurinos e belíssimas pessoas – então seria difícil não fazer um bom filme com isso.”

(Yorgos Lanthimos para a American Cinematographer, 2019)

Lanthimos queria filmar com grandes angulares de 17.5mm, 10mm e 6mm fish-eye; usando somente luz natural, rodando tudo em negativo 35mm. Robbie Ryan o convenceu a adicionar uma objetiva de 75mm para os primeiros planos com os atores, o  motivo disso é que com uma grande angular, a câmera teria que se aproximar muito dos atores para os close-ups, o que seria muito difícil devido aos vestidos de época, que tomavam muito espaço. A decisão de adicionar uma objetiva com ângulo de abrangência pequeno, segundo Ryan, intensifica o visual excêntrico pretendido, alternando os dois extremos de grandes e pequenos ângulos.

O negativo usado na maior parte das cenas foi o Kodak Vision 500T, em algumas cenas externas, o diretor de fotografia decidiu pelo uso do negativo 50D:

“Como as lentes que estávamos usando eram muito largas, não podíamos usar filtros na frente delas. Usamos o material ASA 50 para a cena de passeios a cavalo com a rainha e Lady Sarah, e fizemos duas paradas – eu nunca puxei tanto stock. O stock é muito contrastante; quando você o puxa, perde o contraste e parece bastante adorável.”

(Robbie Ryan para a American Cinematographer, 2019)

Segundo a American Cinematographer, “A Favorita” trás uma nova perspectiva ao drama de época. O inusitado é reforçado pelo humor excêntrico do roteiro, pela trilha sonora e a pomposidade do figurino; mas talvez o maior responsável por esse efeito é a direção de fotografia. As objetivas de ângulos extremos arredondam as bordas da imagem, causando um senso de espacialidade muito maior, porém arredondado e deformado.

Em salões fechados, a grande espacialidade das wide-angle mostra muito, os personagens e o plano de fundo convergem em uma só imagem, quase como se estivessem todos expostos. Essa sensação de exposição faz sentido quando, em conformidade com o roteiro, as vidas de Ana, Sarah e Abigail são expostas nos mais íntimos parâmetros; assim como o resto da corte, exposta ao ridículo.

As grande-angulares também causam o arredondamento da imagem, seu uso no longa evidencia a ciclicidade daquelas vidas, e muito mais que isso, a condenação dos personagens ao meio. Ao mesmo tempo que a fish-eye mostra muito, ela dá a impressão de contensão, de espacialidade finita, sem horizonte fixo, sem escape; inclusive nas cenas externas, a impressão de constricção – de movimentos cíclicos em espaço fechado – é mantida. Assim quando o filme acaba, as personagens são prisioneiras das próprias atitudes, a fotografia transmite tais ideias muito bem.

Sobre a deformação nas bordas das objetivas, tal escolha está totalmente alinhada com o rumo das personagens, principalmente da protagonista, Rainha Ana. As deformidades, o bizarro e principalmente o grotesco são temas recorrentes no longa. Essa intercalação de cômico-trágico, amor e ódio, dor e alegria são as mesmas que a intercalação entre uma 6mm fish-eye e uma 75mm. A exagerada deformação de algumas cenas é relativa a gradual deformação da Rainha, que aos poucos cai em repulsividade.

O uso das objetivas escolhidas por Lanthimos e Ryan desempenham um papel importante na forma de contar histórias. A fotografia não só mostra, mas transforma a narrativa; sem o uso criativo das objetivas, esse grau de inusitado e grotesco não teria sido alcançado. “A Favorita” é uma confluência de excelências que se completam para contar uma história que transcende a teatralidade de seus personagens.

  • https://ascmag.com/articles/royal-trappings-the-favourite
  • https://www.afcinema.com/About-the-work-of-cinematographer-Robbie-Ryan-BSC-ISC-on-Yorgos-Lanthimos-film-The-Favourite.html?lang=fr
  • https://www.indiewire.com/2018/12/the-favourite-cinematographer-robbie-ryan-yorgos-lanthimos-1202027430/

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